FALA DE CONVIDADOS

APONTAMENTOS PARA FALA NO SEMINÁRIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE[1]

Luciano Bezerra Gomes[2]

Tema: Educação em Saúde: avaliação crítica no atual cenário político
Data: 11 de dezembro de 2014
Local: João Pessoa-PB

Tentarei, nessa breve apresentação, falar de alguns aspectos que considero importantes para serem encarados por aqueles que, como eu, tentam operar processos de educação em saúde em distintas perspectivas.
Por um lado, creio que devemos pensar nos processos relacionados à educação em saúde dentro da perspectiva que considera como válidos os saberes das várias pessoas envolvidas nas relações de cuidado que se desenvolvem no campo da saúde.
Esta dimensão nos coloca a necessidade de promovermos uma troca entre o saber popular e o científico, em que ambos têm a enriquecer reciprocamente. Isso permite que as equipes de saúde ampliem suas práticas, dialogando com o saber da população. Sendo assim, a postura do profissional de saúde para com a medicina popular deve ser de respeito e diálogo.
Para tanto, as ações educativas precisariam ser reorientadas para que, ao invés do repasse de normas e orientações de higiene e boas condutas, tais iniciativas se apresentassem como oportunidades de diálogo entre trabalhadores e usuários, onde os aspectos coletivos da dinâmica comunitária pudessem ser enfatizados.
Ainda, precisariam desenvolver processos de formação capazes de ir além da apropriação de certos conhecimentos científicos e saberes: pensando numa prática pedagógica que permita a vivência intensa de certas experiências transformadores das pessoas mesmas.
Devemos, assim, buscar uma educação em saúde que supere a lógica instrumental. Por exemplo, rompendo com a mera busca de “diminuir a resistência e ampliar a adesão terapêutica”, mas, ao invés disso, considerando as disputas de planos de cuidados constitutivas ao trabalho em saúde e, assim, as aproveitando como elemento rico na problematização da produção da existência dos  usuários e da atuação dos trabalhadores da saúde.
Outro desafio posto nesse deslocamento se refere ao manejo de meios de comunicação de maior abrangência, como rádio e as redes sociais baseadas na internet
Além disso, para além do conhecimento sistematizado, devemos trabalhar na perspectiva das ações entredisciplinares.
Enfim, este primeiro conjunto de questões referentes à educação em saúde aponta, de certa forma, para aspectos “internos” ao debate da educação. Mas há um outro conjunto de elementos, que dialoga muito próximo com este, mas que poderia considerá-los como fazendo parte de outro campo de questões.
Neste sentido, coloco, por exemplo, a reflexão sobre o quanto os processos educativos devem se deparar com o tema da medicalização. Por um lado, considerando o quanto medicalizadas já se encontram muitas das lógicas que consideramos como sendo inerentes aos saberes populares sobre o processo saúde-doença. Por outro, permitindo abranger elementos que apontam não apenas para a intervenção sobre os processos de adoecimento, mas também para a expansão do campo da saúde sobre a dimensão da produção da vida, com a normalização dos modos de existência.
É nesse sentido, também, que agrego outro conjunto de reflexões que aponta para o quanto o debate sobre a educação em saúde deve transpor em muito os aspectos  “pedagógicos” clássicos, vistos como uma questão de métodos de ensino, partindo para a constatação de que a educação em saúde se refere muito mais à maneira como as pessoas e coletivos produzem sua existência. Neste sentido, educar para a saúde é um processo que permite ajudar a população a compreender as causas de suas doenças e a se organizar para superá-las. Entretanto, é mais que isso, por ser também aquilo que deveria permitir a luta para que certas dimensões da vida não entrem no rol de dimensões do campo disciplinar da saúde. Isto se materializa, por exemplo, na luta dos coletivos LGBT para que não precisem ser declarados portadores de disforia de gênero para terem acesso a cirurgias de mudanças de sexo, ou para que as mulheres possam assumir que o parto é um ato da vida, não um procedimento de saúde.
Tal processo, então, remete a uma educação em saúde que faz uma aposta pedagógica na ampliação progressiva da análise crítica da realidade por parte dos coletivos à medida que eles sejam produtores de sua própria história. E neste sentido, os serviços de saúde podem ser atores importantes, caso saibam dinamizar a capacidade potencial que têm de constituir redes de articulação poderosas em suas capilaridades.
Além disso, é importante colocar a necessidade de que os processos de educação em saúde se pautem pelos interesses das classes populares, cada vez mais heterogêneas, considerando os movimentos sociais locais como seus interlocutores preferenciais, mas não como únicos mediadores de suas ações. A radicalização da democracia nas políticas públicas exige dialogar com estratégias atuais de produção de luta e participação, que não passam apenas pelas estruturar formais dos partidos e movimentos sociais.
Ainda, um último desafio que gostaria de colocar em relação a essa dimensão “não-pedagógica” da educação em saúde se refere à maneira como ela pode ser afetada por outras lógicas de produção de conhecimento, como a arte e a filosofia. Se faz necessário pensarmos, por exemplo, em como trabalhar a arte na formação não como um adereço, não na lógica instrumental, e sim como algo que produz interferências em nós e, assim, nos desloca e nos constitui como outras pessoas.
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[1]     Essas anotações foram elaboradas anteriormente ao debate, apenas para organizar as ideias para a exposição. Não representam uma elaboração mais sistematizada sobre o tema, nem constam as referências adequadas a conceitos elaborados por diversos autores. A pedido dos organizadores do seminário, está sendo disponibilizada para acesso a quem tiver interesse de conhecer um pouco do debate ocorrido no evento.
[2]     Médico sanitarista, professor do Departamento de Promoção da Saúde do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba, pesquisador da Linha de pesquisa “Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde”, da UFRJ.


CÍRCULO DE CULTURA: DESAFIOS, POSSIBILIDADES E DIFICULDADES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO TÉCNICA EM SAÚDE ANA LUCIA JEZUINO DA COSTA
Ana Lucia Jezuino da Costa[1]
13/12/2014

Depois que aceitei o convite na função de problematizadora, fiquei apreensiva em relação à dinâmica e ao que iria falar sobre educação popular sendo uma enfermeira aposentada. Durante as caminhadas pela manhã na praia consegui perceber que o motivo de estar neste espaço de reflexão tinha origem em duas experiências que vivenciei: na Escola de Formação Técnica Enfermeira Izabel dos Santos (ETIS-RJ) e no Senac Departamento Nacional. Então resolvi mixar estas duas experiências.
A ETIS compõe a Rede de Escolas do SUS criada para formar profissionais de nível técnico para área de saúde, preferencialmente trabalhadores do Sistema Único de Saúde, ou em processo de admissão. São instancias estratégicas no ordenamento de recursos humano nas diferentes esferas de governo de acordo com o artigo 27 da Lei Orgânica de Saúde 8080, que prevê a organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, o que inclui a Educação Profissional Técnica. Neste espaço, o foco da formação são as necessidades de qualificação do sistema tendo como base a realidade de saúde locorregional e a intensa participação do controle social na gestão dos processos formativos. Assim, é ideal que a Rede de Escolas Técnicas esteja vinculada às Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde e que mantenham intenso diálogo com os Conselhos de Saúde. 
No caso da ETIS-RJ, inicialmente estava ligada à Secretaria Estadual de Saúde, descentralizando os cursos pelos Munícipios através dos Núcleos de Ensino criados em parceria com as Secretarias Municipal de Saúde, contando com a participação da Secretaria Municipal de Educação, representação do controle social e dos profissionais de saúde.  
Essas parcerias exigiam um longo processo de diálogo e convencimento, pois os gestores não compreendiam seu papel no processo de formação dos profissionais de nível médio, em razão de um olhar hierarquizado centrado no desenvolvimento de algumas carreiras de nível superior. Então, mudar a visão de mundo dos gestores em relação à visão estratégica destas escolas para o SUS, sempre foi uma tarefa difícil.
 A formação dos trabalhadores de nível médio, no campo da saúde, geralmente é entendida como um empecilho para os gestores, por serem numerosos e por exigir a criação de cargos e de novas categorias profissionais, o que automaticamente requer investimentos financeiros e tecnológicos. Portanto, a formação realizada de forma descentralizada envolve avaliação dos nós críticos da rede, com vistas às ocupações necessárias ao funcionamento integral do sistema, que nem sempre é do profissional médico ou do enfermeiro, mas de um shiatisuterapeuta ou de um massoterapeuta, enfim de outros profissionais que dominam técnicas de promoção de bem estar.
Resistentes, os gestores argumentam que a formação profissional técnica exige mudanças nos Planos de Cargos e Carreiras e aumento salarial, que consequentemente, levam ao descumprimento da Lei de responsabilidade fiscal, não inibindo entretanto, a criação de secretarias, ministérios, aumento de gratificações e outras benesses de fatiamento de poder tão conhecidas no meio político. Infelizmente, a esquerda brasileira, em 12 anos no poder, não conseguiu reverter tal prática, muito pelo contrário, em algumas áreas do governo o uso dos recursos públicos segue o clientelismo político anteriormente criticado.  
A forma de trabalho da ETIS-RJ incomodava porque seu projeto político pedagógico (PPP) era centrado em algumas dimensões inegociáveis: no resgate/conquista dos direitos de cidadania, nos princípios do SUS, na metodologia da problematização, no diálogo com o controle social e no modo de viver das pessoas e grupos sociais. A materialização das referidas dimensões contou com a construção de currículos integrados que romperam com a segmentação dos saberes ao delimitar grandes áreas de conhecimento organizadas em sequencias de atividades seguindo a estrutura do arco de Charles Maguerez, a qual dialogava com conceitos/reflexões chaves e com as habilidades a serem apropriadas pelo sujeito da aprendizagem.  
Seguindo a lógica da descentralização, o corpo docente era formado por trabalhadores vinculados às secretarias de saúde, liberados parcialmente ou totalmente para as atividades docentes. Quando o projeto de formação era financiado, os profissionais recebiam uma bolsa pelo trabalho, sem desvincular-se dos serviços e de sua realidade, porque estrategicamente esta dupla função proporcionava mudanças profundas nas relações de trabalho do SUS, pela troca de diferentes percepções sobre o cuidado dentro do sistema de saúde. Na minha opinião, a primeira opção era melhor pois institucionalizava o processo e consolidava a parceria, mas os baixos salários, associado ao desconhecimento das atribuições dos profissionais de nível superior no sistema, o que inclui a preceptoria/tutoria, resultava na recusa de muitos trabalhadores a assumirem a tutoria sem a contrapartida financeira.   
  Na realidade, o vínculo com o Ministério da Saúde que atualmente gerencia a RetSUS, não protege estas escolas das interferências impostas pela alternância de poder nos governos Federal, Estadual e Municipais a cada 4 ou 2 anos. Na ETIS-RJ, foram várias propostas de mudança de Secretaria (Educação ou Ciências e Tecnologia), de local e de direção, o que exigia a mobilização dos trabalhadores em prol da permanência da Escola no SUS. Resistiu-se quanto foi possível, até que em 2010, por uma disputa de poder entre partidos de “esquerda”, a direção foi trocada, o espaço da escola cedido para uma instalação de uma Escola de Gastronomia Francesa (privatização do espaço público). Todo o processo de descentralização e de articulação da Educação Profissional Técnica com os serviços de saúde foram extintos com o ato de passagem desta Escola para a Secretaria de Ciências e Tecnologia (FAETEC). Atualmente, a ETIS está sem identidade, sem autonomia e sem reconhecimento do seu corpo diretivo.
Mas o que esta história tem a ver com a Educação Popular? Se a educação popular é permeada por processos participativos, por metodologias ativas e pela busca de transformação da realidade através de processos que garantam a liberdade de pensamento, o respeito as diferenças por meio de processos educativos que dialoguem com a cultura e com os viventes, entendo que as RETSUS vivenciam esta proposta em sua estrutura curricular. A Educação Popular é um tema que atravessa os currículos e sua gestão pela intensa interação entre a teoria e a pratica, entre ensino e serviço de saúde e outros setores correlatos. Neste contexto, as RETSUS representam um espaço importante na multiplicação dos coletivos da Educação Popular. 
Então, para que o processo de Educação Popular continue vivo nestas esferas de educação profissional, são inegociáveis os princípios do SUS, a descentralização com base na Municipalização dos processos; os níveis de responsabilidade das esferas Federal, Estadual e Municipal; e as concepções pedagógicas que propiciam a liberdade de pensamento e de construção coletiva dos saberes, em que o aluno é o sujeito da aprendizagem.  Assim um dos grandes desafios para aqueles que ainda acreditam no SUS é lutar pela manutenção destas Escolas dentro das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, com apoio de políticas EPT pactuadas pelo Ministério da Saúde/ MEC nos diferentes cenários federativos.
   Admito que a desconstrução do projeto político pedagógico da ETIS contribuiu para adiantar o processo de minha aposentadoria. Foi neste momento de desilusão que trabalhei no Sistema S. Inicialmente coordenei a área de Saúde e, posteriormente, com a nova estrutura da Educação Profissional em Eixos Tecnológicos, passei a responder pelo Eixo Ambiente, Saúde e Segurança, atualmente desmembrado em ET Ambiente e Saúde e ET Segurança, esse último, mistura a segurança do trabalho com segurança civil de espaços públicos.
Apesar das críticas e da falta de consistência de alguns ET, o Ministério de Educação precisava organizar o ensino técnico no Brasil pela existência da diversidade de títulos para uma mesma ocupação ou profissão, sem contar a disparidade das cargas horárias e a criação de novas ocupações sem nicho no mundo do trabalho. Na verdade, as escolas de ensino profissional privadas faziam de tudo com o apoio dos Conselhos Estaduais de Educação em parceria com os representantes dos Conselhos profissionais que formulavam critérios ultrapassados que privilegiavam e ainda privilegiam os interesses privados. Enquanto que as Escolas Técnicas do SUS, em alguns Estados, encontram dificuldade em aprovar currículos que dialogam com a sociedade. De certo, essa forma de agir dos conselheiros estaduais de educação, seguem determinada visão e projeto de mundo hegemônico em nossa sociedade.
Em 2004, o MEC coloca em discussão a Política Pública para a Educação Profissional, tendo como base a redução das desigualdades sociais, a relação com o desenvolvimento econômico, o direito a ser garantido e, por fim, o comprometimento com uma escola pública de qualidade. O discurso do documento é coerente, resgata algumas lutas dos educadores fazendo crítica ao ensino organizado por competências e a mercantilização do ensino, assim como dá a EPT a dimensão que melhor evidencia a inter-relação do sistema educativo com os outros sistemas sociais. No entanto, a afirmação de que a EPT não é uma questão acadêmica é política e estratégica mantém a dicotomia entre pensar e o fazer, deixando uma abertura para que esta modalidade de ensino seja regulada pelas tendências de mercado – sonho dos adeptos da teoria de competências e de outras teorias utilitaristas da educação.
Os pressupostos deste documento foram incorporados em parte pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado pelo Governo Federal em 2011, para ampliar a oferta de cursos técnicos em todo o território nacional, considerando as pesquisas que apontavam para um apagão de mão de obra em todos os setores da economia. Cabe aqui ressaltar algumas ações desta proposta:
1.        Cadastramento das Escolas e Cursos Técnicos regulares em um único sistema, o que, a priori, serviria de consulta pública para todos aqueles que se interessassem em avaliar a estrutura do curso e a infraestrutura das escolas ofertantes. Este instrumento de transparência foi o primeiro passo para constituição da Rede e-tec Brasil (Decreto nº 7.589, 26/10/2011) que agregou a Rede Federal de Educação Profissional, as Unidades de ensino dos serviços nacionais de aprendizagem e as instituições de educação profissional vinculadas aos sistemas estaduais de ensino. Atualmente é esta rede, que vem definindo os perfis de curso, a certificação por competências, o sistema de avaliação institucional, entre outras deliberações que são acordadas por este colegiado dentro do governo.  Pelo decreto, as RETSUS foram excluídas por não fazerem parte nem da Rede Federal e nem da Rede Estadual de Ensino. Em consequência, a formação Técnica em saúde vem sendo pensada na lógica do setor privado porque ofertam em larga escala, a maioria dos cursos do Eixo Tecnológico Ambiente Saúde. Então que visão de SUS vem definindo a formação de Recursos Humanos para o Setor Saúde? Que concepção pedagógica orientará o sistema de ensino técnico: a emancipadora para formar o trabalhador de saúde como ser político e produtivo, ou tecnicista que forma trabalhadores cumpridores de ordens e fazedores de ações?
2.        Valorização da Rede de Escolas Técnicas Federais com reforma e/ou construção de novas unidades, investimentos tecnológicos massivos e formação docente fora e dentro do país. As 350 Escolas Técnicas Federais foram apresentadas durante a campanha presidencial como resultado positivo para o governo, porque esta rede com os recursos do Pronatec conseguiu oferecer cursos de Formação Inicial Continuada, Cursos Técnicos, Cursos superiores de tecnologia, licenciatura e programas de pós graduação o que foi relevante para o desenvolvimento da EPT, pela qualidade de ensino ofertado por estas escolas.
Se o Ministério da Saúde, como todos os ministérios fizeram, assinasse o termo de demandante da política (PRONATEC) e apresentasse sua rede de escolas, com certeza receberia o mesmo investimento da Rede Federal de Ensino, bem como, contribuiria com as discussões que deliberaram os caminhos para formação dos futuros trabalhadores do setor saúde.
3.        Elaboração de Catálogo de Cursos Técnicos e Cursos de Formação Continuada (FIC) para uniformizar o perfil de formação reduzindo a variedade de interpretações dos gestores educacionais sobre o que seria essencial para que uma pessoa fosse preparada a desenvolver uma determinada profissão. O primeiro embate foi acordar a carga horária mínima para os cursos FIC, oferecidos de 20 a 240 horas, o que nem sempre dava conta do desenvolvimento de habilidades exigidas pela ocupação. Ao final, foi instituída carga horária mínima de 160h, com possibilidade de ampliação de 50% desta carga horária, ou seja podia chegar a 240 horas. Lógico que esta negociação atendia a disponibilidade de recursos e por outro lado mexeu com a estrutura das escolas que vendiam cursos para empresas com carga horária inferior à instituída. É evidente que o mesmo curso não poderia ser oferecido no Pronatec de uma forma e pelo markenting institucional de outra.
Foram organizados 12 Eixos Tecnológicos, dos quais interessam para o SUS o ET Ambiente e Saúde, ET Segurança e ET Desenvolvimento Educacional e Social, isto não quer dizer que o setor saúde não faça links com os outros eixos através da vigilância em saúde e outros temas transversais, por isso, durante o processo de discussão e composição destes eixos e da organização das ocupações/profissões foi sentido a ausência do MS representado pelos técnicos das RETSUS. Se houve algum tipo de representação, foi fora do campo das disputas institucionais, o que geralmente pode resultar em encaminhamentos que reduzem o escopo do debate.
 Nos ETs Ambiente e Saúde/Segurança são 41 Cursos de FIC e 29 Cursos Técnicos, os primeiros organizados com uma breve descrição da ocupação, carga horária e escolaridade mínima; enquanto que os cursos técnicos constam de descrição da profissão, possibilidades de temas, possibilidade de atuação e infraestrutura recomendada. As duas estruturas foram formatadas a partir de documentos do Sistema S e do grupo que discute Certificação por Competência, o que contradiz o documento inicial que discute a política de EPT e reforça a tendência de um ensino técnico voltado para a execução de tarefas.
Como os catálogos servem de orientação para as escolas ofertarem cursos técnicos na área de saúde, nos preocupa a descrição e a forma de alguns cursos, como exemplo Agente Comunitário de Saúde e o Curso de Aconselhador de dependência química, tendo em vista as orientações do Ministério da Saúde através da Estratégia da Saúde da Família e do Projeto Caminhos do Cuidado em Saúde Mental (crak, álcool e outras drogas). Quais os princípios orientadores desta formação em Escolas que não vivenciam as discussões de organização e qualificação do SUS?  Não só estas, mas todos os currículos das profissões/ocupações ligadas ou correlacionadas ao sistema de saúde precisam ser revistos e reorientados pelo setor no âmbito da educação.
4.        Para potencializar as ações de profissionalização o governo impôs que o Sistema S investisse até 2016, de forma escalonada, 65% de sua receita financeira fruto dos subsídios, em matriculas gratuitas, por isso foi lançado o Programa Gratuidade do SENAC.
5.        Por fim, a integração de todos os Ministérios para gerenciar esta política na qualidade de demandantes por conhecerem as necessidades de formação de suas pastas. Esta interação gerou outro braço do programa, que é o Brasil Profissionalizado cujo objetivo é a ampliação da oferta e o fortalecimento da Educação profissional tecnológica integrada ao ensino médio nas redes estaduais, o que contribuiu para inserção de jovens no mundo do trabalho. Outra iniciativa é a articulação do PRONATEC com o Ministério de Desenvolvimento Social através da profissionalização das pessoas assistidas pela bolsa família. Outros processos estão em andamento, incluindo o do Ministério da Saúde.

NÓS CRÍTICOS DESTA POLITICA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL (PRONATEC)

Além dos entraves já comentados, ressalto que o PRONATEC deixou pra trás os princípios e a essência dos pressupostos estabelecidos na proposta de Política para a Educação Profissional e Tecnológica, porque, no afã por resultados, utilizou meios que possibilitaram a quantidade, considerando que o números de formandos nestes 04 anos foi um sucesso, mas negligenciou a busca pela formação para o trabalho capaz de promover a mudança social através do diálogo, da parceria, da participação e mobilização da sociedade. Na verdade, reforçou o poderio do setor privado na gestão da Política de EPT. Com isto o mercado continua soberano.
         Nesta lógica, os nós críticos mais importantes desta política são:
·              Aplicação maciça de recursos públicos no setor privado, gerando a mercantilização do EPT via repasses vultuosos por parte do MEC sem o controle e avaliação da qualidade do ensino oferecido à população.
·              No campo da saúde, estranhamento/distanciamento entre as concepções pedagógicas adotadas nas experiências de formação do SUS com a formação por competências restritas ao fazer adotadas por algumas escolas da Red-TEC. A intencionalidade dos currículos construídos pela escola (prescrito) e a execução (realidade) induzem uma formação que no discurso é emancipadora, mas na execução é utilitária a serviço do mercado.
·              A oferta de Ensino à distância (total ou parcial) para formação de trabalhadores que vão atuar no setor saúde, os quais necessitam adquirir habilidades junto aos usuários do sistema, serve para reduzir os custos das Escolas, mas oferecem segurança aos usuários. Quem oferece? Como serão qualificados os Tutores? Os momentos de dispersão serão realmente realizados e supervisionados por tutores com experiência técnico-pedagógico?  Que riscos esta proposta pode trazer aos usuários do sistema?
·              A grande tendência das Escolas em reduzirem carga horária do Ensino supervisionado nos campos de prática, optando por visitas orientadas, o que não qualifica o trabalhador a desenvolver as habilidades inerentes a profissão, principalmente no setor saúde. Além disso, o alcance de metas quantitativas, superlotam as unidades de saúde criando entraves no sistema com os profissionais de saúde e na qualidade da formação.
·              A quantidade de oferta de vagas oferecidas pelo Pronatec e a grande capilaridade dos sistemas educacionais envolvidos acabam criando excedente de pessoas formadas em regiões cujos postos de trabalho são parcos. O resultado é a desvalorização do trabalho em saúde e a exploração destes trabalhadores, por falta da concretização de Piso salarial e planos de Cargos e Carreira nos setores público e privado.

Concluo as minhas reflexões dizendo que o maior desafio para inserção dos pressupostos da Educação Popular na Formação Técnica em saúde são as disparidades das propostas curriculares que ainda formam para um SUS centrado na doença e nas ações hospitalares, em detrimento do SUS que cuida e promove saúde e qualidade de vida. Além disto, o distanciamento dos intelectuais e dos técnicos do setor saúde das discussões e deliberações da política de EPT (PRONATEC) que atualmente forma milhares de pessoas, resulta na inserção no sistema de profissionais que não entendem a complexidade do processo saúde-doença com as relações que o indivíduo e a coletividade estabelecem com o mundo. Se não houver uma intervenção destes atores, mais adiante, serão necessários ajustes na formação destes trabalhadores que foram formados na visão hospitalocentrica de prestação de serviços individuais, em detrimento da promoção da saúde de forma universal, integral e equânime.
Diante do resumido panorama traçado da EPT repasso o questionamento para os coletivos: Como a EP pode ser inserida no processo de formação técnica em saúde?  

Referencias

·         BRASIL. Proposta em Discussão de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica. Ministério da Educação, Brasília, abril. 2004.
·         CASSIOLATO, Maria Martha e  GARCIA, Ronaldo Coutinho. PRONATEC: Múltiplos Arranjos e Ações para ampliar o acesso à Educação Profissional. IPEA. Brasília. 2014.
·         CINTERFOR.  De la certificación laboral a la certificación de competências. Workshop sobre certificación de competências. OIT – Brasilia – São Paulo, s,d.ção on
·         FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992
·         TEIXEIRA, Zuleide A. Relatório dos trabalhos do grupo 01. “Educação profissional como política pública”. Relatório Final. Brasília: MEC/SEMTEC/PROEP, 2003.

[1] Enfermeira aposentada pelo Ministério da Saúde. Atualmente coordena o Programa de Atualização para Técnicos Em Enfermagem (PROTENF) organizado pela Associação Brasileira de Enfermagem/ Artmed/Panamericana Editora Ltda; é tutora do Projeto Caminhos do Cuidado em Saúde Mental (crack,álcool e outras drogas). Membro da Comissão Nacional de Educação Profissional Técnica da ABEn. Neste evento, representante da Associação Brasileira de Enfermagem Seção Rio de Janeiro.



DESAFIOS, POSSIBILIDADES E DIFICULDADES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA  EAD – EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: A EXPERIÊNCIA DO EAD NO EDPOPSUS


Vera Joana Bornstein

Seminário de Educação Popular na formação profissional – João Pessoa, dezembro de 2014


Antecedentes
}  A proposta inicial do Ministério da Saúde para o curso de Qualificação em Educação Popular em Saúde era de formar 120.000 Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Vigilância em Saúde, num período de três anos com um momento presencial por estado e ênfase na conexão virtual.
}  Esta proposta corresponde a uma tendência a pensar cursos de larga escala por processos virtuais.
}  Entre 22 e 23 de março de 2012 houve uma reunião em Aracaju, que contou com a participação de participantes do movimento de educação popular com experiência na formação e na atuação com ACS e AVS além de representante da EPSJV (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio). As principais propostas foram:
o   O grupo considerou que o conteúdo do curso tem cunho político e relacional o que pressupõe encontro de sujeitos. Educação Popular parte da experiência do educando, o que exige uma aproximação às diferentes realidades. O público do curso tem em grande parte dificuldades de acesso ao ambiente virtual de aprendizagem.
o   O curso deveria prever um módulo inicial de inclusão digital, tanto para participantes como para equipe;
o   O curso deveria ser realizado principalmente através de encontros presenciais coletivos. Estes coletivos seriam compostos de pequenos grupos (do mesmo serviço), que se encontrariam durante o horário de trabalho, semanalmente.
Execução do curso EdPopSus
}  A primeira parte do Curso de Qualificação em Educação Popular foi iniciada em novembro de 2013 e finalizada em agosto de 2014, em 9 Unidades da Federação, com um número aproximado de 20.000 alunos. O curso foi planejado para 53 horas, das quais 32 horas de encontros presenciais, 11 horas de conexão virtual e 10 horas de atividade de campo. O curso foi ofertado em três momentos distintos.
}  Pelas dificuldades enfrentadas desde a inscrição no curso até o acesso às Comunidades Virtuais, ficou confirmada a dificuldade do público do curso com este tipo de tecnologia. A grande maioria dos ACS não tinha e-mail próprio.
}  A utilização das redes sociais, que é frequente entre este público, não indica habilidade em relação a plataformas educacionais.
}  Entre os instrumentos de avaliação do curso estavam dois formulários online preenchidos pelo corpo docente e pelos núcleos de coordenação Estadual que indicaram que os momentos mais ricos do curso foram os momentos presenciais. As percepções do corpo docente e núcleos Estaduais serão mencionadas a seguir.

Percepção do corpo docente em relação ao ambiente virtual
}  O corpo docente explicitou dificuldades sobre o acesso dos educandos à Comunidade Virtual de Aprendizagem, que incluiu a exclusão digital dos alunos, dificuldade de compreensão das ferramentas, falta de interação na Comunidade.
}  Nas 2ª e 3ª ofertas, apenas 7,1% dos docentes considerou o acesso à CVA fácil, no entanto a grande maioria (92,9%) considera que o acesso à CVA enriquece o processo de aprendizagem dos educandos.
}  As respostas do corpo docente ao 1º Formulário de Avaliação indicam que 65% dos participantes consideraram o Fórum de discussão na Sala de Mediadores da Comunidade Virtual de Trabalho como importante para o seu aprendizado.
}  De acordo com as percepções do corpo docente na 1ª oferta, um dos elementos que mais facilitou a aprendizagem dos educandos foi a vivência do método e dos princípios da EP em sala de aula.
}  A respeito dos momentos presenciais, para 91% dos respondentes os momentos presenciais foram importantes para o aprendizado dos educandos sendo que uma grande parte destes considerou que esta foi a atividade mais importante do curso

Análise da CVA
}  Instigadas pela avaliação do corpo docente e núcleos Estaduais e ainda pelas dificuldades explicitadas pelos educandos no acesso à CVA, a Equipe da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) fez um acompanhamento do uso da CVA na 1ª e na 2ª oferta do curso a fim de analisar as relações pedagógicas.
}  Os resultados encontrados indicam que:
      O número de tópicos abertos foi muito menor que o número de educandos o que reflete a dificuldade de acesso à CVA, sobretudo ao considerarmos que havia grande repetição de pessoas que postaram tópicos.
      A maioria dos tópicos (60.4%) não teve nenhuma resposta, ou seja a interação foi nula.
      Alguns tópicos abertos (4,6%) lograram mais de 10 interações. Estas participações possibilitaram a interação entre alunos, as reflexões críticas, participação dos docentes e postagem de material complementar como caricaturas e pensamentos;
Conclusões
}  O ambiente virtual, nesta experiência, não facilitou de forma geral o espaço pedagógico coletivo e o diálogo entre participantes. Ainda assim, os Fóruns interestaduais possibilitaram algumas trocas bastante ricas sobre processos e condições de trabalho dos agentes, favorecendo a problematização de questões importantes. Esta situação indica uma potencialidade.
}  As plataformas virtuais devem ser consideradas como uma possibilidade e não como uma obrigatoriedade.
}  A tecnologia precisa estar adaptada ao público e não o público à tecnologia, mas ainda assim, é necessário que a forma de trabalhar numa plataforma virtual seja aprendida.

}  A riqueza dos momentos presenciais confirmou o potencial destes encontros em processos educacionais em larga escala




POÉTICA A VÁRIAS MÃOS

Apresentação realizada por 
Julio Alberto Wong Un1
Em 12 de dezembro de 2014

Debate de tema transversal: 
O que é inegociável?
Princípios fundamentais da Educação Popular para a formação em saúde.

Para ver a apresentação clique no link:

1.  UFF/RJ - GT EDPOPSAUDE ABRASCO





O QUE, COMO E PARA QUE CONHECER?
REFLETINDO SOBRE PROBLEMATIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DA 
EDUCAÇÃO POPULAR E  DA SAÚDE

 Maria Waldenez de Oliveira[1]

11/12/2014 - Debate de tema transversal
Aprendizados, desafios e enfrentamentos da Educação Popular em Saúde com outras perspectivas educativas que valorizam as metodologias ativas e problematizadoras

Estava conversando com Valla[2], sobre como traduzir a Educação Popular em metodologias de ensino em sala de aula. Ele me colocou a seguinte questão: se um sindicato está indo a falência por problemas financeiros de controle de contabilidade, o que seria fazer Educação Popular? Não poderia ser dar um curso de contabilidade?
Traduzi o que Valla estava perguntando, quase como um conselho: não há que se fetichizar metodologias educacionais. Isso seria fazer uma absolutização, apenas uma teria, em absoluto, a perspectiva ótima, de fazer acontecer a Educação Popular. Seria alienar todas as outras, ou propor que todas as outras são alienadas ou alienantes, o que é um postura alienante, que me tira a crítica, pois parto de uma absolutização de que apenas a minha não aliena, o que é uma conclusão alienada, não?
Penso que ao se falar em Educação Popular temos alguns bons critérios, óculos, para olhar e, como diz o titulo da roda, aprender com, enfrentar perspectivas educativas. Eu sintetizaria a perspectiva da Educação Popular, quase como um princípio traduzido em um questionamento: a que projeto de mundo servem? É com a resposta a esta pergunta que escolhemos os caminhos metodológicos. Fazendo-a e refazendo-a, permanentemente, podemos retraçar caminhos. De toda abordagem diferente, de toda teoria sobre ensino aprendizagem derivam-se modos de ensinar. Todas têm uma visão de mundo, sociedade, ser humano; algumas têm, explicitamente, um projeto de mundo.
Falar do que qualifica uma perspectiva como ativa e problematizadora em Educação Popular requer pensarmos nos constructos políticos-teóricos que formulamos em Educação Popular para pensar PARA QUE, PARA QUEM, CONTRA QUE e CONTRA QUEM (inspiro-me nas perguntas formuladas por Paulo Freire em Pedagogia da Esperança[3]). Assim vejo a educação popular, Paulo Freire elaborou uma teoria do conhecimento que nos permite, por sua vez,  elaborar processos tendo à nossa frente essas quatro perguntas.
Indicar que se problematiza situações reais, que o aluno é protagonista ou ativo na construção do conhecimento, me agrada, mas ainda é pouco para responder essas perguntas. Problematiza para que? Vejam, eu não pergunto por que, o porque está respondido, pelo pouco que conheço das metodologias ativas.
 Quando Paulo Freire decidiu usar a palavra-mundo TI-JO-LO na alfabetização de adultos em Angicos, não foi uma escolha apenas por uma palavra mais conhecida daqueles estudantes, do que por exemplo, a expressão “vovô-viu-a-uva”[4]. A escolha se deu por ser palavra que continha possibilidades de gerar outros debates, outras discussões e reflexões políticas. Leitura de mundo precede a leitura da palavra, diz ele, ou no minimo, vêm juntas.
 É certo que ao falarmos de construção dialógica de conhecimento na Educação Popular para transformação, problematizar é parte do processo de ampliação do conhecimento. Não se amplia conhecimento se não se tem consciência da incompletude, são  perguntas feitas sobre a realidade que me demandam a construção de novos conhecimento (Mas só isso basta?). Porém o inverso nem sempre é dado: ao problematizarmos é certo que estamos construindo conhecimento  de forma dialogada para a transformação social, para a construção de uma vida de qualidade para todos? Acredito que este é um ponto que poderá nos fazer olhar as demais perspectivas educativas e nos perguntar sobe enfrentamentos e/ou trabalhos conjuntos.
 Há várias usos da palavra perspectiva, mas em Educação, ela indicaria um posicionamento, uma escolha de um contexto, uma referência de onde se parte para a significação de uma experiência.  Freireanamente falando, a perspectiva parte e contém uma visão de mundo ao mesmo tempo que a constrói e reconstroi. E, não apenas isso, contém um projeto de mundo. Pois afirmar uma perspectiva, em Educação Popular, não é meramente uma cognição, uma percepção, mas é também e sempre ação (crítica ou ingênua).
Sobre esses projetos de mundo da Educação Popular, penso que teremos mais tempo para conversar durante todo o Seminário. Mas algumas coisas é preciso localizar, para podermos falar em aprendizados, desafios e enfrentamentos em diferentes perspectivas, inclusive questionando se são diferentes. Se sim, no que se constituiu essas diferenças?
Educação popular é situada a partir do lugar das vítimas. Sua praxis intencionaliza a humanização, sendo um dos meios primordiais para isso, a descolonialidade do poder e do saber. Não dicotomiza saber científico (acadêmico, erudito) e popular. Dicotomizar seria algo como entender que poderíamos separar um do outro, ou seja, que haveria conhecimento científico, acadêmico “puro”, ou popular “puro”. Assim como Paulo Freire diz do “saber-de-experiência-feito[5]”, digo do “saber de academia feito” e afirmo que em mim, que percorri minha formação profissional na academia, circulam os dois. Alfredo Bosi fala que as culturas se imbricam, a popular, a erudita e de massa (ou indústria cultural)[6]. Educação popular não dicotomiza esses saberes, especialmente, não os hierarquiza.
Sobre humanização, o que quero dizer ao usar essa expressão? Gostaria de citar um trecho de Dussel e já recomendar o livro “20 teses de política” de onde extrai este trecho[7] (Dussel apresenta o livro dizendo que o escreveu para os jovens, para que voltem a se interessar pela política): “... o querer-viver dos seres humanos em comunidade denomina-se vontade. A vontade-de-vida é tendência originária de todos os seres humanos ...” (p.25). Produção, reprodução e aumento qualitativo da vida dos cidadãos é conteúdo de toda ação política e portanto de toda ação docente (cruzam-se os campos ecológico, econômico, cultural etc). É condição absoluta para o resto[8].  Este é nosso ponto de partida (ou de chegada?) para avaliar metodologias e perspectivas educativas.
Metodologia ativa é aquela que propicia ao estudante ser protagonista na construção desse conhecimento-ação. Mas não é o protagonismo individualista da seguinte conversa:
-“faço por que gosto.”
-“por que?”
-“por que sim!”
(como está no comercial da cerveja).
O protagonismo do estudante na metodologia ativa, na perspectiva da Educação Popular, é um protagonismo obedencial[9]. Obediêncial pois está a serviço.  O processo pedagógico da Educação Popular é comunitário, como diz Dussel[10], e em comunhão, como diz Freire[11]. Portanto é ético e político. Voltarei a isso.
Alguns aspectos que me parecem vitais no processo pedagógico na EP, e com o vejo as relações com as metodologias problematizadoras e ativas.
O “face a face”[12]: promover atividades vivências, experiências, que institucionalmente podem ser denominadas de práticas. Mas não é só isso.
Reconhecer a incompletude de seu conhecimento, que não sabe tudo. Mas não é só isso. As pessoas que chegam ao serviço de saúde relatam problemas como a violência no trânsito, a violência doméstica, insônia, desemprego, sofrimentos difusos, que o profissional de saúde não consegue equacionar dentro dos protocolos de atenção, não consegue entender pelos limites de sua formação. A incompletude da formação profissional é técnica, formação que não abarca a saúde nessas dimensões todas. Expressões como não está dentro da minha governabilidade, resolvem a insegurança diante do que ‘não conheço, não aprendi, não sei como cuidar.
Nos anos 2000, aprendi a palavra “governabilidade” e escutei-a várias vezes dos profissionais de Saúde, como limite para sua ação (não está dentro da minha governabilidade”). Na verdade, o que não está dentro da governabilidade era a formação desses profissionais, ou melhor, aquela parte da formação que é o conteúdo que o professor seleciona e lhe traz para sala de aula, e que não consegue abarcar todo o conhecimento necessário para sua atuação. O resto todo (da formação, atuação, etc) está dentro da sua governabilidade, ou não estamos falando de educação popular.
Essa conclusão da “não-governabilidade” parecia imobilizar os profissionais, ao mesmo tempo em que causava um certo conforto.
Mas como sair dessa amarra? Ao saber que não sei tudo, e querendo sair das amarras da “gonvernabilidade” posso procurar superar a incompletude apenas com mais  conhecimento técnico. Essa postura coloca o conhecimento popular como “mito” - mito sobre aleitamento materno, mito sobre curas populares, mito sobre alimentação - e não como conhecimento.
A Educação Popular vem denunciando a arrogância de um conhecimento, o científico, em ser puro conhecimento, como já mencionei anteriormente. E que as pessoas formadas na academia, além de serem detentoras desse conhecimento, recorreriam apenas a ele para solucionar problemas, ou tomar decisões, ou construir outros conhecimentos, etc. Porém, não são poucos os exemplos em que pessoas formadas pela academia utilizam-se de senso comum para avaliar aquilo que não conhecem, ao invés de admitirem, reconhecerem, como é vital para o desenvolvimento da ciência, as lacunas de seu próprio conhecimento científico. A Educação Popular não hierarquiza conhecimentos, mas pergunta pela criticidade do conhecimento, seja ele tido como erudito seja tido como popular. Mas ainda não é só isso.
Não é possível conhecer o mundo sem cruzar, nessa caminhada, consigo próprio. Consciência é um adentramento em si mesmo e uma volta pelo mundo, diz Fiori[13]. Problematizar, na Educação Popular, não é apenas perguntar, estudar, ampliar o conhecimento, mesmo que crítico, acerca da realidade do outro; e ficar no “confortável” lugar do “mesmo” (o problema é do outro, o problema é o outro, o problema é no outro... Eu não estou sendo afetado, etc). É também me ver como Outro[14]. Mas não é só isso, ainda.
Os estudos. Referências político-teóricas nos ajudarão a ampliar a compreensão de mundo. Metodologias ativas pedem que os estudantes façam pesquisas bibliográficas, procurem construir seu conhecimento. Mas onde? Quais são as nossas referências? O conhecimento secular ou o conhecimento milenar? O conhecimento acadêmico ou o popular? Onde buscar conhecimento para poder ampliar o meu acerca daquela realidade? Esta pode ser uma diferença entre perspectivas, se buscamos apenas conhecimento em uma certa racionalidade acadêmica ou buscamos também conhecimentos nas experiências e reflexões de povos originários, nas culturas populares.
Vejam esta afirmação do filósofo aymara Huanacuni:
“[...] quando falamos de comunidade, não falamos só de humanos. Comunidade é tudo: animais, plantas, pedras” e para mudar o sentido de um rio o indígena vai dizer: “não, calma, espera, vamos pedir permissão para os nossos ancestrais e vejamos se é bom”, enquanto o capitalista diz: “Claro que é bom, aqui vamos produzir”. “Ele não vê importância no espiritual, não o sente. Por isso ainda não está entendendo.[15]
Promoção da saúde numa comunidade onde comunidade é tudo, o que seria? Qual a radicalidade dessa proposta aymara para se pensar a saúde? No que ela dialoga com a proposta da OMS? No que ela pode nos ajudar a construir uma vida de qualidade?
Ser ativo na construção do conhecimento não basta, há que conhecer como conhecer, e no caso da EP, conhecer passa, necessariamente, pelo conhecimento popular. Não como folclore, mas como cultura e como potentia (Dussel diferencia potestas e potentia. Potentia é o ponto de partida, mas ainda sem existencia real, objetiva, empírica. É ao mesmo tempo força e possibilidade futura. Se não for atualizado por meio da ação política, e institucionalizado por meio das mediações políticas, ficará como possibilidade. A necessária institucionalização do poder da comunidade, do povo, constitui potestas[16]) .
Quase nada há na bibliografia até onde eu conheça, sequer na história dos acontecimentos da saúde, que busque o conhecimento desses povos. Por exemplo, no tema do Saneamento. Dou aula na licenciatura em Enfermagem e as estudantes tinham que preparar uma aula sobre Saneamento para os estudantes de um Curso Técnico de Enfermagem. Pudemos problematizar junto as estudantes o que é civilização, o que é barbárie, contrapondo modos de tratar os dejetos e a água. Um dos modos era o de nossos povos originários da América Latina, bem como de povos da África (no caso que estudamos, Egito). Outros eram os modos da corte imperial portuguesa, quando aqui chegou. Comparávamos os dois modos, sendo que nos livros sobre Saneamento, quando mencionava o Brasil, o recorte histórico era a chegada dessa corte, como se não houvesse povos aqui antes disso, ou mesmo “saneamento”. Vizualizamos as figuras com tecnologia de povos egípcios, com seus dutos de transporte de água, separados, quase que isolados, e estes nos lembravam, e muito, os dutos dos arcos da Lapa, na cidade do Rio de Janeiro. Onde começava a história? Por que a história do saneamento, que encontramos nos livros da área de Saúde, mostra os arcos da Lapa, mas não mostra os dos egípcios? E assim, fomos problematizando o processo “civilizatório” e a colonialidade do saber.
Ainda sobre conhecimento popular, além da visibilidade histórica desses conhecimentos e tecnologias populares, onde mais poderíamos buscar construir a criticidade do “conhecer” na perspectiva da Educação Popular. Posso dar um outro exemplo. Quando vou fazer o reconhecimento do território na Saúde da Família, há um mapeamento das práticas populares de saúde? Entende-se a equipe de saúde de modo ampliado, articulado com esses terapeutas? Os estudos sobre intersetorialidade no SUS dizem o que é setor? Posso pensar a intersetorialidade como integração dos serviços de saúde com outros setores ou órgãos públicos, privados. E não enxergar os espaços e processos populares de promoção da vida de qualidade, como um setor. Assim sendo, a intersetorialidade não propõe ou sabe fazer intersetorialidade.  Aqui Educação Popular pode fazer a diferença na discussão da intersetorialidade.
Nos debates nos grupos poderemos falar de possibilidades teóricas e impossibilidades empíricas. Ou de situações limites e de inéditos viáveis, mas queria falar de uma situação limite e de um inédito viável, pelo menos, para finalizar e propor outras questões para seguirmos no debate.
 Sobre a situação limite.
“O que em ética é válido é subsumido em política como legítimo, diz Dussel no livro “20 teses de política” (p.67). Para que essas mediações práticas sejam legítimas, faz-se necessário, idealmente, que todos os estudantes e professores possam participar de alguma maneira simetricamente, com razões[17], na formação de consensos, nos acordos que são realizados em sala de aula e fora dela. Até que ponto os estudantes participam de maneira simétrica deste e de outros espaços decisórios na instituição escolar? Há contradições institucionais para que a Educação Popular aconteça em sala de aula.  A cultura da sala de aula é permeada pela cultura fora da sala de aula. Educação Popular na universidade passa pela democratização dos espaços e processos decisórios, seja democracia representativa (com real representação, sem fetichização do poder, com comunicação e de forma obedencial, como já dito anteriormente), seja participativa.
Sobre o inédito viável.
Alfonso Torres (2012) nos indica que ao mesmo tempo que não precisamos buscar paradigmas emancipatórios fora do campo político pedagógico da Educação Popular, o emancipatório não é patrimônio exclusivo da Educação Popular[18]. A Educação Popular, como perspectiva crítica  e pedagógica, tem se enriquecido com outras perspectivas, como a de gênero (por exemplo, os debates sobre feminismo dialógico), a cidadania crítica, multiculturalismo e diversidade cultural, educação das relações étnico-raciais, economia solidária, teatro do oprimido, comunicação popular,  para falar de alguns.
Assim, há caminhadas diversas com caminhantes a se juntar. No processo histórico de suas lutas, os povos latino americanos vêm construindo o inédito viável da unidade na diversidade, mostrando o que Paulo Freire (1992) chamava à atenção: a única minoria é a dominante[19]. Aprendamos com estes povos.





[1] Professora na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (SP). Coordenação do Projeto Mapeamento e Catalogação de Práticas de Educação Popular e Saúde – MAPEPS, nessa Universidade. Professora titular em Educação Popular e Saúde: processos educativos em práticas sociais. Membro da Rede e do GT ABRASCO de Educação Popular e Saúde. No momento deste evento, representante dessa Rede no Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde - CNEPS, do Ministério da Saúde e coordenadora do GT de Educação Popular da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd.

[2] Victor Vicente Valla, educador popular falecido em 7 de setembro de 2009. Pesquisador da ENSP (Rio de Janeiro), Valla é referência para a Educação Popular por seu trabalho como pesquisador, pelo seu engajamento político e por seus escritos (vários artigos de Valla estão disponíveis para acesso via internet).  A conversa referida aconteceu durante o I Seminário Nacional sobre Educação Popular e Saúde, ocorrido em 2004 em Brasília.

[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

[4] LYRA, Carlos. As quarenta horas de angicos: uma experiência pioneira de educação. São Paulo: Cortez, 1996.

[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17aed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

[6] BOSI, Alfredo. Cultura brasileira, culturas brasileiras. In BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.308-345.

[7] Enrique Dussel é uruguaio, radicado no México. Talvez um dos mais importantes filósofos da libertação ainda vivo.  A maioria de sua obra está disponível na internet no seu sitio:  http://enriquedussel.com/obras.html A citação que faço foi retirada de um livro dele, também disponível na internet: DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. 1ª ed. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo: Expressão popular, 2007.

[8] DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. 1ª ed. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo: Expressão popular, 2007.

[9] Dussel no livro “20 teses de política”, diz que Obediência vem do latim, ob significa ter algo ou alguém “diante”, audire: ouvir, escutar, restar atenção. “Ob-ediência” contém o ato de “saber escutar ao outro” (p. 39). Resumidamente o poder obedencial seria quando  a primeira e última referência  do “meu” poder é o poder da comunidade política. Ao referir-se a representação democrática, Dussel diz:  “O poder obediencial seria , assim, o exercício delegado do poder de toda autoridade que cumpre uma pretensão política de justiça; de outra maneira, do político reto que pode aspirar o exercício do poder por ter a posição subjetiva necessária para lutar em favor da felicidade empiricamente possível de uma comunidade política, de um povo” (p.40).

[10] DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 3ª ed – Petrópolis, RJ:Vozes, 2007.

[11] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17aed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

[12] O face-a-face, em Dussel, seria onde se instaura a alteridade (o encontro com o Outro, que me interpela) nas relações humanas. Por exemplo, na relação professor-aluno, profissional de saúde-usuário, etc. DUSSEL, Enrique. A pedagógica latino-americana (a Antropológica II). In: _________. Para uma ética da libertação latino americana III: erótica e pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba: UNIMEP, s/d, p.153-281.

[13] Ernani Maria Fiori, brasileiro, é filósofo da libertação. Talvez muitos o conheçam pelo prefácio do livro Pedagogia do Oprimido intitulado “Aprender a dizer a sua palavra”. Mas ele tem uma vasta obra, constituída especialmente por suas aulas e conferências, recentemente reeditadas.  Uma delas é esta a que me refiro, que foi publicada: FIORI, Ernani Maria (1986) Conscientização e educação. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS. 11(1), p.3-10, jan/jun. 1986.

[14] Não haverá tempo de desenvolver esta discussão sobre Outro e sobre nos encontrarmos como Outro na Exterioridade do Sistema. Sugiro leitura de Dussel sobre Totalidade e Exterioridade no livro: DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 3ª ed – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007 ou este capítulo do livro de nosso Grupo de Pesquisa da UFSCar: ARAUJO-OLIVERA, Sonia Stella. Exterioridade: o Outro como critério. In: OLIVEIRA, Maria Waldenez; SOUSA, Fabiana Rodrigues. (Org.). Processos educativos em práticas sociais: pesquisas em educação. 1ed. São Carlos: EDUFSCar, 2014, v. 1, p. 47-112.

[15] BRASIL DE FATO. “Nosso modelo não é comunista, mas comunitário", afirma aymara da Bolívia. Edição de 13/07/2009. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/3275.Acesso em: 15/10/2012. p.1.

[16] DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. 1ª ed. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo: Expressão popular, 2007.

[17] Ao falar “participar com razões”, Dussel está contrapondo esta participação à “com violência”.

[18] TORRES, Alfonso. El potencial emancipatorio de la Educación Popular como práctica política e pedagógica. La piragua. Lima/Peru. n..37, p.59-76, 2012.

[19] FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

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